segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Entrevista com Malungo - Pte. 1

Em conversa com o repórter Felipe Mendes, publicada na Agenda Cultural da cidade do Recife em Novembro de 2009, Malungo falou de suas referências estéticas, de seu processo de criação, contou um pouco da sua história na militância poética e como se transformou no fanzineiro mais bem sucedido da região. Pra quem perdeu na Agenda, vamos agora reproduzir a entrevista aqui, em duas partes, uma hoje e a outra, no próximo post:


Agenda Cultural – Como você assumiu o nome Malungo? Já o usava ou adotou quando se tornou poeta?

Malungo – Foi uma homenagem a Chico Science. Comecei a assinar como Malungo em 98. Por coincidência – coincidência não, porque nada é por acaso – eu andando pelo bairro vi uma folha do Jornal do Comércio no chão sobre o Quilombo do Malunguinho, aí pensei: “isso é pra mim”. Eu comecei a ler e descobri que o quilombo ia de Beberibe a Goiana. Hoje eu tenho muitos amigos no Quilombo Cultural Malunguinho.


AC – Mas você começou antes disso, não?

Malungo – Em 1985, com 16 anos.


AC – Chico Science e o Mangue, então, são uma referência poética pra você. Que referências mais você identifica em seu trabalho?

Malungo – O cordel, o surrealismo, o tropicalismo, o rádio, gibi... Eu gosto muito de gibi, por isso essa coisa imagética, curtinha, nos meus poemas.


AC – Você identifica – ou usa intencionalmente – alguma temática recorrente na sua poesia?

Malungo – A rua. Como estou todo dia no Recife andando, o que eu vou vendo, vou fotografando, captando. Até no meio de viagem de ônibus você está escrevendo alguma coisa, lembrando alguma ideia. Outro dia eu estava sentado na beira do rio, esperando, e terminei escrevendo um poema: Sol e lua na Ilha do Recife Antigo. Num tem aquela coisa de: “Vou me inspirar, parar tudo, subir numa árvore” (risos). Quem manda é a poesia, não a gente. Ela vem e você tem que estar pronto pra registrar. Tem uma frase do poeta Wilson Vieira que diz: “Todos sonham, só os poetas anotam”.

AC – Muitos poetas daqui têm a rua como referência. Porque você acha que os problemas urbanos inspiram tanto os poetas do Recife?

Malungo – Porque tem coisas díspares, disparates que você vê e o poeta tem, até inconscientemente, essa coisa de ser político também, de ver as coisas e dizer, verbalizar. É também por conta de você circular muito e ter essa sensibilidade de ver as coisas.

AC – Isso seria uma missão do poeta? A poesia tem que ser um agente de transformação social?

Malungo – Depende de quem vai escrever. Tem gente que se acomoda. Eu mesmo não sou acomodado, procuro sempre escrever algo que possa fazer a pessoa refletir, pensar, detonar um processo nela. Ver a cidade de outra maneira, ver a própria vida de outra maneira. O poeta Lara cita, num artigo dele publicado Interpoetica, essa falta de “criticidade” das músicas do interior, que falam da cabocla, do sertão, da chuva e quase nada de crítica. O poeta, letrista, o sujeito crítico, não é visto nesse tipo de segmento.

AC – Como você vê os poetas e a poesia produzida na região metropolitana do Recife durante toda sua caminhada com os versos?


Malungo – Eu vejo que a gente precisa de mais amor próprio. Falta mais profissionalismo. Mas tem grupos muito bons surgindo, como o pessoal do Silêncio interrompido de Goiana. Até publiquei um poeta de lá no De Cara com a Poesia. É uma janelinha pequenininha, mas a gente abre pras pessoas, pela qualidade. Segundo a minha pessoa, né, que qualidade é uma coisa subjetiva. Eu procuro divulgar poetas assim.

AC – Tem havido iniciativas como o Interpoética, eventos e concursos de poesia como o Recitata. Você acha que isso é uma consequência de uma maior organização dos próprios poetas?

Malungo – É aquela coisa de se gostar mais, se valorizar mais. Quando eu fui pra Natal, em 2006, pra o Bendita poesia, organizado pelo Carlos Gurgel, eu, Ivan Marinho e mais dois poetas do Ceará, teve muito respeito. A gente teve cachê bom, ficamos num hotel à beira mar de três estrelas, carro pra andar durante três dias. Tivemos matérias nos três principais jornais de lá, a TV educativa filmou a gente, vendemos livros, teve todo esse aparato. Tem que partir dos poetas essa atitude, pra serem respeitados. Esse profissionalismo tem que partir dos poetas, pra ter esse respeito, um cachê digno, e comportamentos pessoais também.

AC – Nesses últimos doze anos em que tem vivido intensamente a poesia, você tem notado uma melhora no sentido de haver mais espaço?

Malungo – A Prefeitura tem aberto espaço, o governo do estado tem incluído a gente no Festival de Inverno de Garanhuns, temos eventos como as apresentações com a Orquestra Sinfônica do Recife no Teatro do Parque, em que poetas recitam na abertura. Tem que ter o apoio, mas é uma coisa tanto de um lado quanto do outro, as pessoas têm que se organizar mais.

AC – Você citou coisas institucionais, governamentais. E na cidade, de maneira mais independente, como é a questão de apresentações, livros?

Malungo – Muito pouco, não tem espaço pra poesia. Temos alguns recitais, como na Biblioteca de Afogados, na Biblioteca de Casa Amarela, o Quartas Literárias, realizado por Silvana Menezes no Centro de Cultura Luiz Freire, em Olinda. Na UBE (União Brasileira de Escritores) tem o Quartas às Quatro, tem a ALAP (Academia de Letras e Artes do Paulista), da qual eu faço parte. Em Paulista mesmo, eu sempre falo pro pessoal: “vamos levar a poesia pra rua”, então em agosto a gente foi pra feira de Paulista. Mas falta mais a coisa de ter a infraestrutura, às vezes tem os poetas, mas falta infra.

AC – Como você vê os prêmios, concursos, eventos e afins, essas ações contribuem para uma melhor literatura e para a formação de público?


Malungo – Eu sou a favor que as pessoas façam sim e participem. Formar público é uma questão de qualidade também, o que faz o leitor é um trabalho de qualidade. Grandes eventos como a Bienal do Livro são importantes, são interessantes pra você trocar informações, conhecer, fazer esse intercâmbio. Agora mesmo estou mandando o De cara há uns três anos e meio pra Cooperifa, que realiza recitais fantásticos lá em São Paulo, no Bar de Zé Batidão.

AC – Uma das suas principais atividades poéticas e literárias é a publicação do fanzine De cara com a poesia, que já tem sete anos (em 2009,época da matéria) – longevidade bem rara para este tipo de publicação. Como é fazer um fanzine, indo além do ato de escrever poemas?

Malungo – Isso começou com a Biblioteca de Afogados, em 2000, quando eu tirei o primeiro lugar no concurso de poesia e conheci a professora Marina Maria, que tirou o segundo. Eu fui pra casa dela e, em cima da mesa ou do sofá, eu vi um zine chamado Poesia descalça, de Joca de Oliveira e Wilson Vieira. Joca e Helena Ortiz, do Panorama da palavra, lá do Rio de Janeiro, foram quem primeiro publicaram meu poema. No mesmo mês saiu meu poema Notícias de um planeta azul no Poesia descalça e no Panorama. Helena teve aqui em Pernambuco e garimpou muita coisa de arte daqui, muita coisa mesmo. Como eu gostei muito do Poesia Descalça, quando conheci o Altair Leal, poeta e cordelista, em Maranguape, falei: “vamos fazer um zine!”. O primeiro foi o Frente e Verso. Era uma folha A4, um lado eu fazia, o outro ele fazia. Foram oito números, de zero a nove, porque teve algum número que a gente pulou, e fizemos entre 2001 e 2002. Numa dessas conversas com Jomard Muniz de Britto, ele me deu o telefone de Bruno Candéas, com quem eu acabei fazendo uma parceria. Na loja do Bernardo Alves, hoje falecido, poeta também e autor do livro A pré-história do samba, eu criei o nome De Cara com a poesia, que eu e Bruno começamos a fazer em 2002.


fonte: Agenda Cultural do Recife, Novembro , 2009

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